Garrettonline propõe-se disponibilizar a edição crítico-genética digital do Romanceiro de Almeida Garrett, recorrendo a manuscritos autógrafos e ampliando o corpus do editor romântico.

O projeto de editar digitalmente o Romanceiro de Almeida Garrett (1799-1854) teve início em 2013, após uma longa etapa prévia de estudo e análise de todos os testemunhos conhecidos referentes a esta obra legados pelo poeta romântico português. A par das coleções impressas de romances que publicou em vida e das versões, completas ou fragmentárias, estampadas em obras de teatro ou em prosa da sua autoria, Garrett legou um espólio manuscrito abundante (essencialmente constituído por autógrafos), disperso por distintos núcleos documentais localizados em Portugal.

Efetivamente, tanto as características da recensio como o estudo do processo compositivo de cada um dos romances elaborados por Almeida Garrett revelaram uma obra com algumas características peculiares que se podem simplificar do seguinte modo:

1. necessariamente inacabada;
2. materialmente dispersa;
3. composta por poemas narrativos em estádios de elaboração radicalmente distintos e que mantêm relações bastante heterogéneas com as suas fontes, que vão desde a mera tradução criativa de romances de autoria alheia, passando pela recriação romântica da própria lavra de Garrett, e ainda por versões de romances consideravelmente próximas da conjetural tradição oral do século XIX.

Tamanha heterogeneidade obedece a um propósito comum de legitimação e imposição da poesia dita “popular” portuguesa no quadro ibérico, que Almeida Garrett procurou elevar ao mais alto nível, afinal como mais uma das múltiplas faces do se programa estético romântico-nacionalista.

Somando às características do corpus garrettiano os objetivos ambiciosos da própria edição em curso, o digital impôs-se como a única forma viável de “representar” editorialmente esta obra (embora assumindo os conhecidos riscos da instabilidade associada à materialidade digital). Com efeito, parece ser consensual que o conceito de “arquivo” associado aos desígnios das Humanidades Digitais surge hoje significativamente ampliado e como elemento potenciador dos estudos filológicos em geral e das edições críticas em particular.

A edição crítica digital que aqui será disponibilizada futuramente nasceu com um projeto de pós-doutoramento apoiado diretamente pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através da concessão de uma bolsa individual em Estudos Literários (2013-2019), contando, desde 2019, com o apoio financeiro de um Projeto de Investigação nos domínios da Língua e Cultura Portuguesas da Fundação Calouste Gulbenkian. A presente edição crítico-genética do Romanceiro de Almeida Garrett tem como objetivos:

– Reproduzir, recorrendo à reconstrução ope ingenii, o último plano editorial conhecido de Garrett para o Romanceiro, que se encontra plasmado na p. XLV da “Introdução” ao II tomo do Romanceiro, em 1851, do qual o escritor só chegou a publicar os dois primeiros livros;
– Proporcionar textos rigorosamente estabelecidos, desígnio que se entende não dever ser exclusivo das edições críticas hiperespecializadas e ainda pouco comuns no espaço cibernético.

A partir da adoção do conceito já longínquo, mas sempre eficaz de “lectura asistida” formulado por Pedro Sánchez-Prieto Borja (2003), possibilitar-se-á ao leitor a escolha entre diversos níveis de leitura, o que converge com a ideia de que a edição pode ser dirigida a vários tipos de leitor. Trata-se de um desiderato que a edição crítica em papel não pode assumir, devido às intrínsecas limitações tecnológicas associadas à sua própria materialidade.

A edificação de edições-arquivo é rara no contexto da tradição filológica portuguesa. Esta edição crítico-genética assenta nesse conceito, mune-se de diferentes ferramentas do âmbito da filologia digital e pretende funcionar como um modelo a replicar noutras obras clássicas do património literário português.

O projeto contou com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian (2019-2021), do Centro de Investigação em Artes e Comunicação (2014-2020), do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (2020 -) e do Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual da FCT [CEECIND/00058/2018].

A equipa do projeto é constituída por Sandra Boto (investigadora responsável), Pere Ferré, Juan Manuel Escribano, Bruno Ministro, Isa Mestre e Maria Helena Santama (consultora). Entre os parceiros estão o Centro de Investigação em Artes e Comunicação, a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundación Ramón Menéndez Pidal.

Publicações produzidas no âmbito do projeto:

Boto, Sandra (2019). “O Espólio Literário de Almeida Garrett: notas em torno dos Documentos 59 a 63 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e da Coleção Futscher Pereira”. Revista Internacional de Língua Portuguesa Série IV 36 (2019).

Boto, Sandra (2019). “La collatio semiautomática al servicio de la edición del Romanceiro de Almeida Garrett”. In PRAGMÁTICA Y METODOLOGÍAS PARA EL ESTUDIO DE LA POESÍA MEDIEVAL, editado por Josep Lluis Martos; Natalia A. Mangas, 115-126. Alacant, Espanha: Universitat d’Alacant, 2019

Boto, Sandra (2018). “A filologia digital em discussão: o caso da edição do Romanceiro de Almeida Garrett”. In Digital Culture – a State of the Art, editado por Boto, Sandra; Tavares, Mirian. Coimbra, Portugal: Rui Grácio Editor, 2018

Boto, Sandra (2016). “Algumas notas sobre “o sapo negro” no âmbito da ‘edição crítica das obras completas de Almeida Garrett'”

Boto, Sandra (2015). “Almeida Garrett e a tradição antiga”. In Miscelánea de estudios sobre el romancero. Homenaje a Giuseppe Di Stefano, editado por Pere Ferré; Ana Valenciano; Pedro Piñero Ramírez, 95-118. Sevilla, Espanha: Editorial Universidad de Sevilla, 2015     

Bibliografia recomendada:

Boto, Sandra (2018). “A filologia digital em discussão: o caso da edição do Romanceiro de Almeida Garrett”. In Digital Culture – a State of the Art, editado por Boto, Sandra; Tavares, Mirian. Coimbra, Portugal: Rui Grácio Editor, 2018

Tríptico do projeto aqui.

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