Compilação de Oriana Alves
no âmbito do projecto Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental
“O calão é a linguagem habitual do fadista. Parece um dialecto sem o ser rigorosamente.
Muito pittoresco, não se limita apenas a alterar foneticamente as palavras como a giria infantil;
além de lhes alterar o som, altera-lhes tambem a forma, e muitas vezes lhes desloca a significação,
levando-a para outros objectos, n’um sentido tropologico, fundado na relação de semelhança.”
Alberto Pimentel in A Triste Canção do Sul, 1904, p. 90
Calão vem de caló, nome que os ciganos dão a si mesmos.
Portanto significa propriamente «cigano», «língua de cigano».
Alberto Pimentel in A Triste Canção do Sul, 1904, p. 92
Dinheiro, armas, álcoois, engates, fome, prostituição, fado, casa (“buraco” ou “coté”), adereços, esquemas, porrada, prisão. São estes os principais assuntos de que nos falam os 148 verbetes reunidos neste Breve Dicionário do Calão do Fado.
Recolhidos de poemas e ensaios publicados entre meados do século XIX e meados do século XX, alguns ainda presentes no nosso vocabulário popular, estes termos descodificados dão acesso privilegiado ao universo do fadista marginal das primeiras gerações do fado e seguintes e à sua visão (nomeação) do mundo.
Registados na base de dados do projecto Atlas das Paisagens Literárias de Portugal Continental do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição da FCSH-UNL, são agora reunidos numa primeira e breve compilação que esperamos possa vir a ser completada com novas fontes e investigações.
A B C D E F G H I J L M N O P Q R S T U V X Z
A
- Andar armado
- ter dinheiro (Araújo; 1874:67)
- Amarelas
- libras (Cunha; 1878:64)
- Antrames
- algibeiras (Pimentel; 1904:94)
- Arames
- dinheiro (Pimentel; 1904:94)
- Aranhota
- sardinha (Pimentel; 1904:93)
- Archeiro
- ébrio; (Pimentel; 1904:92); bêbedo (Pimentel; 1904:94)
- Ardina
- aguardente (Cunha; 1878:63)
- Arranjo
- conquista (Pimentel; 1904:93)
- Avental de madeira
- meia-porta dos bordeis do Bairro Alto (Pimentel; 1904:90 apud Adolpho Coelho, Os ciganos de Portugal, pag. 56)
- Azia
- fome (Arriegas, 1922:28)
B
- Bagatas
- bruxarias (Pimentel; 1904:92)
- Bago
- dinheiro (Araújo; 1874:67)
- Bailhão
- Bailarim, por comparação. O que pula jogando a navalha, risca, faz escovinhas, bate o Fado, etc. (Pimentel; 1904:45); O mais desordeiro e implicante dos fadistas; como quem diz a “quinta essência” da classe (Pimentel; 1904:75)
- Banzara
- paragoge do calão banza – sinónimo de guitarra (Pimentel; 1904:60)
- Barbante
- corrente (Cunha; 1878:64)
- Batas
- mãos (Pimentel; 1904:92)
- Batata
- soco (Pimentel; 1904:94)
- Batola
- mão (Arriegas, 1922:28)
- Batota
- jogo (Pimentel; 1904:93)
- Bico
- bebedeira (Pimentel; 1904:93)
- Bogalhão
- valente (Pimentel; 1904:92)
- Botequim de lepes
- botequim de “dez réis” (Pimentel; 1904:57)
- Botica
- cara (Pimentel; 1904:93)
- Brinquedo
- canivete (Arriegas, 1922:28)
- Briol
- vinho (Pimentel; 1904:93)
- Bronze
- pataco (Carvalho, 1903:71)
- Buraco
- casa (Cunha; 1878:64)
- Buzilhão
- dois vintens (Pimentel; 1904:94)
C
- Cachola
- cabeça (Arriegas, 1922:28)
- Caiado
- pinto (480rs) (Carvalho, 1903:71)
- Cantiguinha
- mentira (Araújo; 1874:67)
- Cascatas
- velhas (Pimentel; 1904:92)
- Cardenho
- quarto (Cunha; 1878:64)
- Carinha
- moeda de 5 tostões (Carvalho, 1903:71 e Araújo; 1874:67)
- Cebola
- relógio (Pimentel; 1904:92)
- Cepio
- chapéu alto (Pimentel; 1904:94)
- Cheta
- vintém (Arriegas, 1922:28 e Carvalho, 1903:71)
- Clisar à palma
- apanhar a jeito (Carvalho, 1903:57)
- Cocheiro
- jogador de pau (Pimentel; 1904:94)
- Coroa
- moeda de 5 tostões (Carvalho, 1903:71)
- Cortar
- roubar (Pimentel; 1904:93)
- Cortiço
- casebre (Pimentel; 1904:94)
- Coté
- casa (Araújo; 1874:67)
- Cravela
- mulher magra (Cunha; 1878:64);
- Cravela de 6
- moeda de 6 vinténs (Carvalho, 1903:71)
- Cravela de 12
- moeda de 12 vinténs (Carvalho, 1903:71)
D
- Depenado
- sem dinheiro (Cunha; 1878:63)
- Deus
- Juiz do Bairro Alto (Pimentel; 1904:90)
- Deixar espalhado
- matar (Pimentel; 1904:94)
- Desarmado (estar)
- ser pobre (Pimentel; 1904:94)
E
- É como canta
- podem crer (Carvalho, 1903:57)
- Empalmação
- roubo (Araújo; 1874:67)
- Endragar as batas
- deitar as mãos (Carvalho, 1903:57)
- Escovadinho
- chapéu (Pimentel; 1904:93)
- Escovinha (fazer)
- Lisonjear; meneios de fadista, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, www.priberam.pt/DLPO/escovinha [consultado em 11-09-2014]
- Espia
- cuco (Cunha; 1878:63)
- Estafar
- dar cabo de (Carvalho, 1903:57)
- Estampa
- bofetada (Pimentel; 1904:90)
- Estarim
- cadeia (Arriegas, 1922:28)
F
- Facha
- cara (Pimentel; 1904:102)
- Faia
- fadista; “uma vaga tradição alfacinha diz que o fadista se deu por orgulho de classe a designação de faia, medindo-se, vaidosamente, com o aprumo e a elegância da árvore d’este nome.” (Pimentel; 1904: 45)
- Farpela
- roupa (Cunha; 1878:64); fato (Arriegas, 1922:28)
- Febre amarela
- ouro (Araújo; 1874:67)
- Filé
- esperança (Pimentel; 1904:92)
- Filhozes
- notas de banco (Pimentel; 1904:90)
- Fole das migas
- barriga (Pimentel; 1904:90 e Arriegas, 1922:28)
G
- Gabinardo
- gabão [gabador; gabarola] (Pimentel; 1904:92)
- Gaja
- rapariga (Arriegas, 1922:28)
- Gajo
- homem (Carvalho, 1903:57)
- Galdinas
- calças (Cunha; 1878:63)
- Galheta
- bofetada (Arriegas, 1922:28 e Araújo; 1874:67)
- Gamote
- reunião (Pimentel; 1904:94)
- Garganta
- basófia (Torres, 1944:05)
- Gargantosa
- garrafa (Cunha; 1878:63)
- Golfinho
- corcovado [corcunda] (Pimentel; 1904:92)
- Gravata (fazer uma)
- enfiar uma guitarra pela cabeça d’outra pessoa (Pimentel; 1904:90)
- Grilo
- relógio (Cunha; 1878:63)
- Guines
- cinco réis (Carvalho, 1903:71)
L
- Laia
- prata (Pimentel; 1904:92)
- Larica
- fome (Pimentel; 1904:93)
- Larpio
- ladrão (Pimentel; 1904:94)
- Lepes
- dez réis (Pimentel; 1904:57 e Carvalho, 1903:71)
- Liró
- [popular] vestido com apuro = catita, janota, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, www.priberam.pt/dlpo/liró [consultado em 11-09-2014].
- Loira
- libra (Araújo; 1874:67)
M
- Maluco
- pataco (Carvalho, 1903:71)
- Meio-caiado
- água com café (Pimentel; 1904:90)
- Medo
- pão (Arriegas, 1922:28)
- Modista
- taverna (Pimentel; 1904:94)
- Morcego
- padre (Cunha; 1878:63)
- Mosqueiro
- casa (Pimentel; 1904:92)
- Mulato
- café com leite (Pimentel; 1904:90)
N
- Naifa
- navalha (Cunha; 1878:63 e Carvalho, 1903:58)
- Nocar
- partir (Carvalho, 1903:57)
- Noz
- cabeça (Carvalho, 1903:57)
P
- Padecente
- namoro (Arriegas, 1922:28)
- Paínço
- dinheiro (Pimentel; 1904:90)
- Paiol
- bucho [barriga] (Pimentel; 1904:93)
- Palão
- mentira (Pimentel; 1904:93)
- Palhetas
- botas (Cunha; 1878:63)
- Patego
- lavrador (Cunha; 1878:63)
- Pêga
- rapariga (Arriegas, 1922:28)
- Penante
- chapéu (Cunha; 1878:64)
- Peneira
- fome (Pimentel; 1904:93)
- Penosa
- galinha (Cunha; 1878:63)
- Pente
- rapariga (Arriegas, 1922:28)
- Pico
- navalha (Carvalho, 1903:58)
- Pingente
- rapazote (Arriegas, 1922:28)
- Planta
- estilo, boa figura (Torres, 1944:05)
- Pianinho
- guitarra (Pimentel; 1904:93)
- Pinha
- cabeça (Pimentel; 1904:92)
- Piteira
- aguardente (Pimentel; 1904:93)
- Porcaria
- presunto (Cunha; 1878:63)
- Pretas
- garrafas (Cunha; 1878:63)
R
- Ralé
- coragem (Carvalho, 1903:57)
- Ratafia
- genebra (Cunha; 1878:63)
- Raspar
- fugir (Pimentel; 1904:92)
- Retanha
- gazua (Pimentel; 1904:93)
- Riscar
- [popular] Travar luta; brigar. in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, www.priberam.pt/dlpo/riscar [consultado em 11-09-2014]
- Roda
- tostão (Araújo; 1874:67)
- Rola
- caldo (Pimentel; 1904:92)
- Roncar
- dormir (Pimentel; 1904:93)
- Rouxinol
- apito (Pimentel; 1904:90)
S
- Sanha
- bofetada (Pimentel; 1904:93)
- Sarda
- faca (Pimentel; 1904:90 e Carvalho, 1903:58)
- Sardinha
- navalha (Pimentel; 1904:90); porco (Pimentel; 1904:92)
- Serviço
- namorar (Pimentel; 1904:94)
- Soldado de calça branca
- cigarro (Pimentel; 1904:90)
- Sorge
- soldado (Cunha; 1878:63)
- Sovelão
- poupado (Pimentel; 1904:92)
- Suquir
- bater (Pimentel; 1904:93)
- Susto
- pão (Arriegas, 1922:28)
T
- Testo
- valente (Carvalho, 1903:57)
- Toeza
- pé (Araújo; 1874:67)
- Toira
- navalha (Araújo; 1874:67)
- Torneiro
- bom velhaco (Araújo; 1874:67)
- Toscar
- compreender (Pimentel; 1904:92)
- Tralha
- corda (Cunha; 1878:63)
- Trouxa
- rapariga (Arriegas, 1922:28)
V
- Viso
- cuidado (Carvalho, 1903:57)
- Viúva
- garrafa preta da taberna; copos são filhos da viúva: uma viuva e dois filhos quer dizer uma garrafa e dois copos. Se o copo é maior que o da decilitração habitual, chama-se “sino grande”. (Pimentel; 1904:90)
- Volantinas
- c’rôas (Cunha; 1878:63)
Fontes bibliográficas
Araújo, Luiz de. 1906. Cem fados, Collecção de Cantigas. Lisboa: Arnaldo Bordalo
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha]
Carvalho, Pinto de. 2003 [1903]. História do Fado. Lisboa: Dom Quixote
Cunha, Faustino António da. 1878. Livro d´Ouro do Fadista, Nova Collecção de Fados Para Cantar ao Piano e á Guitarra. Lisboa: Livraria Portugueza e Estrangeira
Pimentel, Alberto. 1989 [1904]. A Triste Canção do Sul, Subsídios para a História do Fado. Lisboa: Dom Quixote
Torres, António Alberto e Ferreira, Fernando. 1944. A Canção Nacional: Coplas da Revista em 2 actos e 21 quadros. [S. l.: s. n.]