O projeto Escritoras de língua portuguesa no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, África, Ásia e países de emigração resulta de uma parceria internacional, envolvendo o IELT, o CICS.NOVA/Faces de Eva, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e o CRILUS/UR Études Romanes, da Universidade Paris Nanterre.
Com início em 2019, o projeto visa integrar no património literário a escrita realizada por mulheres, promovendo o conhecimento, a desocultação e a difusão de escritoras que publicaram entre 1926 e 1974, assim como das suas obras, uma vez que, mesmo no que diz respeito ao século XX, o cânone da literatura portuguesa é essencialmente masculino. O contexto social, cultural e político em que emergiu muita da produção destas mulheres aponta para a escrita como um ato de coragem, nalguns casos punido com silenciamento, perseguição ou apagamento.
O projeto assenta em dois pilares distintos, mas complementares:
1) A realização de colóquios internacionais:
– Ver/Rever a Escrita de Mulheres em Portugal (1926-1974), 5 e 6 de março de 2020 (Colégio Almada Negreiros – Campus de Campolide da NOVA FCSH);
– Voir/Revoir l’écriture de femmes au Portugal (1926-1974), 9 de outubro de 2020 (Université Paris Nanterre);
– Maria Judite de Carvalho : les frontières de l’humain face aux débris du monde, 15 de março de 2021 (Université Paris Nanterre);
– Maria Archer: reflexos e reflexões, 24 de janeiro de 2022 (Biblioteca Nacional de Portugal);
– Natália Correia: La voix rebelle (1923-2023), 26 de outubro de 2023 (Université Paris Nanterre et Maison de Portugal André de Gouveia, Cité Internationale).
O volume Escritoras portuguesas no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo, Peter Lang – Bruxelles, publicado em 2023, reúne alguns dos contributos mais relevantes produzidos até à data no âmbito do projeto, cujos resultados foram já apresentados e discutidos nos dois primeiros colóquios. Este volume foi organizado por José Manuel da Costa Esteves, Isabel Henriques de Jesus e Teresa Sousa de Almeida (coord.) e integra a coleção “Mondes de Langue Portugaise”, dirigida por Graça dos Santos.
O volume Maria Archer – Um percurso insubmisso, publicado em 2024, pela Editora D’Ideias, reúne ensaios sobre uma das autoras que integra a base de dados do projeto e complementa o colóquio internacional Maria Archer: Reflexos e reflexões.
No âmbito da “Temporada França-Portugal 2022”, realizaram-se dois outros colóquios internacionais sobre a temática do projeto, da qual receberam o selo, deste modo integrando a programação oficial:
– Femmes écrivaines portugaises pendant da dictature militaire et l’État Nouveau (1926-1974), 24 de fevereiro de 2022 (Université Paris Nanterre);
– Escritoras portuguesas no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo. O cinquentenário de Novas Cartas Portuguesas. Subversão e solidariedade feminista, 13 e 14 de outubro de 2022 (Universidade Nova de Lisboa).
Em ambas as edições foi dado um lugar de destaque às Novas cartas portuguesas das ‘Três Marias’, assinalando o cinquentenário da sua apreensão pela Censura que gerou uma onda de solidariedade por parte das escritoras francesas.
2) A criação de uma base de dados de carácter aberto:
Consiste na catalogação e na análise da produção literária das autoras de nacionalidade portuguesa e/ou de língua portuguesa, oriundas de países africanos, asiáticos, ou de países onde a emigração portuguesa criou focos de língua e de cultura, que publicaram entre 1926 e 1974.
A inclusão de autoras/obras na base foi determinada pelos seguintes critérios:
1. São portuguesas e/ou falantes de português, embora possam ter publicado em outras línguas que não o português;
2. Publicaram durante o recorte temporal definido, isto é, entre os anos de 1926 e 1974 (podendo ter também publicado antes e/ou depois);
3. Publicaram “obra”, concebida apenas enquanto publicação em volume (o que não invalida que tivessem tido outro tipo de intervenção escrita e/ou falada em jornais ou em outros meios de comunicação, feito traduções, etc.). Ou seja, o critério publicação em volume é necessário, mas não exclusivo.
Cada uma das autoras é apresentada numa “ficha de autora”, segundo os campos nela definidos, sendo cada uma das suas obras apresentada individualmente, de acordo com os campos definidos na “ficha de obra”
Esta base constitui-se como um recurso aberto e contínuo de apoio à pesquisa, sugerindo possibilidades de diálogo entre pesquisadores/as. Apela-se, por isso, à colaboração de todas as pessoas que pretendam ajudar a completá-la com novas autoras ou a melhorar o que se apresenta. Devido à extensão da obra de algumas autoras, as fichas apresentadas podem estar incompletas, estando a equipa de investigação a prosseguir o desenvolvimento das mesmas. Neste caso, será dada a indicação “em desenvolvimento” na ficha de autora.
A diversidade e a multiplicidade de fontes e de recursos tornam inviável a apresentação dos conteúdos de um modo inteiramente uniforme, facto a que nos resignamos depois de alguma utopia inicial, em que a julgávamos possível. Um dos campos inseridos “género” colocou algumas questões à equipa pelo carácter híbrido de certas obras. O identificador [NI] significa que competiu ao inventariante a decisão sobre como o preencher. Usámos o campo “observações” para explicitar algumas dúvidas com que nos confrontámos, mas também para completar informação que não cabia em nenhum outro local.
A data de edição de muitas obras não foi encontrada, pelo que considerámos uma “data atribuída” a partir de elementos que tanto podem ter que ver com uma data inscrita pela autora como fim do livro, como pela data de entrada no depósito da biblioteca onde se encontra, como por indicações (nem sempre precisas) inscritas em jornais ou em obras críticas ou, ainda, em outras obras que a elas fazem referência.
Optámos pela utilização das normas APA 6 mas, também aqui, a especificidade de algumas situações nos obrigou a adaptá-las, para que a informação fornecida fosse clara e permitisse uma consulta o mais pormenorizada possível.
A autoria (inventariante) das fichas está assinalada no final da “ficha de autora”, muito agradecendo a todas/os investigadoras/os que aceitam colaborar neste projeto, a quem participa na sua revisão e também às autoras ou familiares que não apenas se disponibilizam para complementar informação, como cedem os direitos de utilização das imagens que figuram nas fichas.
À equipa inicial que concebeu e estruturou os conteúdos da base de dados associou-se uma bolseira de investigação e um conjunto de inventariantes, identificados no separador “Equipa”.
Para possibilitar às/aos utilizadores da base a fruição de textos inéditos ou pouco conhecidos das autoras identificadas foi criado o separador “Textos”, onde se incluem produções literárias que autoras, familiares e investigadores/as nos remetam. O separador “Ensaios” permite a inclusão de ensaios e de notas biográficas que permitem completar a informação sobre as escritoras e/ou a sua obra.
Os contactos com a equipa de investigação fazem-se através do preenchimento de um formulário, alojado no separador com esse título.
O trabalho de levantamento de autoras que cumprem os critérios de inserção na base é muito extenso e constitui, por si próprio, um precioso auxiliar de pesquisa para todos/as que queiram promover e aprofundar o conhecimento das escritoras com obra publicada no intervalo de tempo definido. O separador “Lista inicial” é passível de ser acrescentado através da identificação de mais escritoras, o que enriquecerá os campos de estudo da literatura, da história e dos estudos de género.
A dinâmica de implementação do projeto implicou, para além dos dois pilares já identificados, outras iniciativas de divulgação do mesmo e a criação de redes com instituições e/ou grupos de pessoas. São disso exemplo:
– Cooperação com o Liceu Camões, Lisboa, apoiando o desenvolvimento do trabalho com alunos e com professores, no sentido da exploração temática e pedagógica de algumas das escritoras integrantes do projeto;
– Tertúlia SNOB (livraria e editora) com a periodicidade de 1/mês, visando a partilha do conhecimento de autoras e obras;
– Inclusão de investigadoras de universidades estrangeiras, no sentido de alargar o núcleo chave inicial e de ampliar o conhecimento sobre o projeto;
– Entrevistas concedidas a órgãos de comunicação social com o intuito de fazer chegar o âmbito e os objetivos do projeto ao público em geral.
A presente pesquisa, apoiada pela Fundação Gulbenkian, através da concessão de um subsídio de apoio a projetos de investigação nos domínios da língua e da cultura portuguesas desenvolveu-se, numa primeira fase, quase integralmente durante o tempo de pandemia pelo que as condições em que se efetuou refletiram as dificuldades vividas pela equipa de investigação, nomeadamente na consulta de obras disponíveis em diferentes bibliotecas, mas também nos exíguos ou impossíveis encontros presencias. Prossegue com uma nova dinâmica, contando com o núcleo de investigadores/as que a integram, com uma bolseira de investigação e com a colaboração de uma equipa de inventariantes.
O número de autoras que, para já, esta base apresenta ainda é inferior às autoras que identificámos num primeiro momento da pesquisa e que continuamos a identificar à medida que a mesma avança. Apesar dos constrangimentos, a riqueza da recolha, permite-nos reafirmar a necessidade de recuperar autoras e obras, de estabilizar fontes, de visibilizar urgentemente um autêntico “mundo subterrâneo” em que as mulheres escritoras que, em seu tempo, publicaram, ainda se encontram, apesar dos vários esforços que ultimamente têm sido feitos para lhes dar existência.
Tríptico do projeto aqui.